Cineastas revelam dificuldades para produzir filmes no Acre

Produzir filmes no Acre nunca foi fácil. Desde o início, nos anos 70, até hoje, a principal dificuldade é financeira

Entrevistas

Os desafios e vitórias de trabalhar com o cinema no Acre

Trechos de filmes

Trechos de clássicos como "Rosinha, a rainha do sertão" e "A luta em busca do amor", até as produções acreanas mais recentes como "A rota é por aqui" e "Fogão de Lenha"

domingo, 18 de agosto de 2013

Cineastas revelam dificuldades para produzir filmes no Acre

Câmera Yashica Super - 8mm, usada na gravação dos primeiros filmes do Ecaja

O cinema acreano tem 40 anos de história. Alguns de seus precursores como João Batista, mais conhecido como Teixeirinha do Acre, Antônio Evangelista ou Tonivan, Adalberto Queiroz, entre outros, formaram o Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos (Ecaja Filmes).
Produzir filmes no Acre nunca foi fácil. Desde o início, nos anos 70, até hoje, a principal dificuldade é financeira. Conseguir equipamentos, gravar o áudio, montar o filme, para os que fazem parte dessa história, sempre foi um desafio.

Antônio Evangelista relata que no início da década de 70, a televisão ainda não tinha chegado ao Acre e o principal divertimento era o cinema e as novelas radiofônicas na Rádio Difusora Acreana. Tonivan logo começa a se interessar pelo rádio e depois que seu pai lhe dá de presente um gravador de rolo, veio a idéia de pegar as revistas Capricho e interpretar os personagens das histórias.

“Convidei o Teixeirinha, o Raimundo Ferreira, Ozenira Brito, são os que começaram lá gravando, pegando as revistas da minha mãe e a gente fazia os personagens. Aí o Teixeirinha teve uma idéia: que tal escrever uma novela para a Difusora Acreana?”, lembra Tonivan.

Porém, a gravação ficou ruim e não foi aceita pela emissora, o que desanimou o grupo. Mas logo veio uma nova proposta de Teixeirinha. “O Teixeirinha chega e diz: eu tenho uma notícia boa, é possível a gente fazer cinema no Acre. Eu estive pesquisando, na Joalheria Medeiros tem uma filmadora, e tem os filmes virgens para a gente filmar. Tem também o projetor para depois botar o som, eu não sei como bota o som, mas eu tô lendo o livro Jovens Cineastas, lá da biblioteca da Ufac, e tive informações de como fazer roteiro, como produzir e dá pra gente fazer um filme”.

A partir daí têm início as produções cinematográficas acreanas. Convidando mais pessoas para participar, Teixeirinha escreveu o roteiro e dirigiu o primeiro filme, 'Fracassou meu Casamento', em 1973.

Os filmes eram feitos por meio de uma câmera super 8mm da marca “Yashica”. Todo o processo de filmagem era feito de maneira artesanal. Segundo Adalberto Queiroz, cada rolo de filme permitia a gravação de cerca de três minutos de imagens. Para um filme inteiro, eram necessários 38 rolos de super-8. Havia dificuldade também na revelação, já que o material precisava ser enviado a São Paulo, e de lá, para o Canadá, passando mais de seis meses para ser devolvido.

Depois era preciso montar o filme. E a montagem era feita unindo cada pedaço de filme, colando com acetona. Mas ainda havia um problema: a filmadora de bitola super-8 não gravava áudio. Ainda que todos os atores tenham decorado seus textos, era necessário gravar em estúdio tanto a voz dos personagens como os vários sons do filme.

“Quando a gente filmava não tinha som. A gente projetava o filme com o projetor, botava um gravadorzinho, ali tinha os atores, bacia d’água, ruído de carro, batida de porta, cavalo correndo. A gente tinha que fazer na contrarregra, e gravar com os atores aqui tudinho, os sons, na mesma hora. O ator falava no tempo, se tivesse uma porta batendo, batia, se tivesse uma pisada, fazia as pisadas. Era assim que a gente gravava os sons dos filmes, dublava. Era muito pesado mas era divertido, dava o texto pro pessoal decorar, era um microfoninho pra todo mundo, mixuruca pra caramba”, complementa Adalberto Queiroz.

Cena do filme "A luta em busca do amor", produzido pelo grupo Ecaja Filmes

Muitas pessoas desacreditavam no projeto dos jovens do Ecaja. “Na época, meus pais, principalmente o meu pai, ele muito machão, achava que esse negócio de fazer cinema, isso não tem futuro não, e a minha mãe dizia ‘deixa João, quem sabe um dia isso aí tem futuro’. E realmente, hoje nós somos lembrados pela imprensa, pelos estudantes”, afirma emocionado Tonivan.

Entre os filmes produzidos pelo grupo Ecaja Filmes estão: Fracassou meu casamento, em 1973; Rosinha, a rainha do sertão, em 1974; A luta em busca do amor, de 1976; Uma realidade em conflito, em 1979; e Alucinados pelo vício, em 1980.

Censura

Além das dificuldades técnicas, havia também a censura. Tudo o que era produzido, seja música, cinema, teatro, devia obrigatoriamente ter o certificado de censura. O primeiro filme do Ecaja, 'Fracassou meu Casamento', foi exibido pela primeira vez numa praça em Brasileia, em 1973, patrocinado pelo deputado Wildy Viana. Porém, logo depois, o filme foi apreendido pela Polícia Federal por não ter certificado.

O próximo filme, 'Rosinha, a rainha do sertão', por conta da censura, foi exibido em escolas, mas com dificuldades. “Eu me lembro de uma vez ali no Neutel Maia, a gente tava fazendo a projeção. Nessa época já tinha bastante projetor, e eu tava na projeção quando chega o Adalberto dizendo: para, para, guarda, tira todo o material, que a Polícia Federal tá chegando. O pessoal ficava na frente da esquina pra ver quando a Polícia Federal vinha”, conta Antônio Evangelista.

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sábado, 17 de agosto de 2013

Trottamondos relata suas aventuras por meio do cinema

Cineasta Gilberto Trottamondos, a esposa e a filha durante as gravações do filme "A Caminho do Pacífico"

Gilberto Trottamondos viaja pelo mundo em sua bicicleta desde 1980. Segundo ele, já pedalou cerca de meio milhão de quilômetros por 142 países. Em 2006, começou a se dedicar ao cinema por incentivo de Adalberto Queiroz, quando ganhou vários prêmios em festivais com o documentário 'Pedalando pelo mundo'.

Trottamondos gosta de abordar suas aventuras e a história do Acre. O cineasta já fez dez filmes entre eles 'De volta as raízes', 'Trottamondos e as filhas do bruxo', 'A caminho do Pacífico', 'Migração cearense no Acre', e documentários como 'Rio Branco – 130 anos de lutas e progresso'. Atualmente está produzindo 'As filhas do coronel'.

O cineasta conta que o principal desafio para fazer cinema no Acre é financeiro, o que dificulta em conseguir atores para as suas produções. “Eu faço um contrato de compromisso, onde o ator se compromete a participar das filmagens. Então, o que acontece, para esses atores, como não somos ricos, não temos condições financeiras, então eu pago por dia de filmagem, cinco cópias dos filmes, isso quando o filme for editado”.

Para ele, algumas pessoas tem vontade de aparecer, fazer filmes, mas com o tempo percebem que não é exatamente o que esperavam e acabam desistindo. “A gente começa fazendo um filme com uma atriz ou ator e de repente, no meio do filme, essa pessoa desiste. Para não estragar o filme, eu mato o personagem, invento outro e dessa maneira eu concluo os meus filmes”.

Os locais de filmagem são diversos e compreendem outros estados e países. O filme 'Migração cearense no Acre teve como locações as  cidades de Crato, Juazeiro do Norte, Quixadá, Mangabeira, localizados no Ceará. Algumas cenas foram filmadas no Parque Chico Mendes e outras no Horto Florestal.

Os equipamentos ainda são muito simples. “O equipamento que a gente fez filme são câmeras muito amadoras, de uma qualidade muito simples. Cada produtor tem sua própria câmera, como por exemplo, esse filme que eu tô fazendo, estou fazendo com a minha câmera fotográfica, uma FXD Yashica, que não é uma filmadora”.
 
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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Festivais divulgam o cinema acreano pelo país


Mesmo com as dificuldades, os filmes acreanos foram exibidos em vários festivais realizados em diversas partes do Brasil. Adalberto Queiroz, como diretor do Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos (Ecaja), foi ao XI Festival do Cinema Brasileiro, em Brasília no ano de 1978.

Segundo o cineasta, em Brasília muitos curiosos se reuniram para conhecer o cinema Acreano e após a exibição do filme, chegaram a dizer que não faziam ideia do que era produzido no estado, e que estavam impressionados com o nível de produção dos filmes. Um ano depois foram convidados novamente pela Fundação Cultural do Distrito Federal para participarem de um festival.

"Nos sentimos artistas, a imprensa em cima, no rádio, jornais e televisão. As pessoas me procuravam para pedir autógrafos. A recepção do público com o cinema acreano foi um sucesso", lembra Adalberto.

Em 1979, participaram do VII Festival do Filme Super-8. Depois de Brasília, foram convidados para exibir seus filmes em festivais no Rio de Janeiro, Bahia, Santarém, Fortaleza, Porto Velho e São Paulo, onde surgiu a proposta de mostrar o cinema acreano no Canadá, e todo trabalho desenvolvido pelo Ecaja em um festival internacional de cinema. Entretanto o grupo não tinha recursos para a viagem.

"Pegaram todo o material que tinhamos para fazer a divulgação, mas eu não tinha dinheiro. Queriam que eu pagasse a minha passagem ida e volta, o resto era por conta deles, mas na época eu era só um garoto tentando terminar o ensino médio", lembra o cineasta.



'Fracassou meu casamento', foi apreendido pela Policia Federal, na época por não ter registro de censura. Porém seu sucesso em festivais e escolas por onde passava, proporcionou aos cineastas do Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos (Ecaja), mais visibilidade do trabalho que desenvolviam.

"O trabalho que fizemos de 1972 até aqui, tem ajudado a divulgar o cinema acreano no mundo. Aqui no estado ajudou a fazer com que as autoridades pensem melhor a cultura, além de proliferar o surgimento de novos talentos, novos trabalhos e organização de grupos artísticos", conclui Adalberto Queiroz.

Este ano, em comemoração aos 40 anos do cinema acreano, aconteceu o X Festival Acreano de Vídeo, com exposições de fotografia sobre os estágios do cinema no estado, além de mostra de vídeos feitos por vários produtores independentes. Também foi realizado na TV Aldeia, o Festival Asacine, de 19 à 25 de março, com produções selecionadas por Adalberto Queiroz. Os filmes 'Rosinha, a rainha do sertão', 'Marcas', 'Coisas da Vida', 'Menina mãe' fizeram parte da programação.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Guilherme Francisco, Ecaja e outras histórias





Membro do Ecaja (Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreano), Guilherme Francisco, cineasta, começou a participar das produções do grupo aos 14 anos e logo conheceu os limites do trabalho amador. Realidade estrutural distante de Hollywood, na década de 1970, a aquisição do equipamento era impossível, exigia grande investimento, tiveram que recorrer ao único comerciante que disponibilizava desse material na naquele momento.

“A maior dificuldade era financeira, na época do Super-8 nós não tínhamos dinheiro para custear o material película, era muito caro e nós desempregados. Ficava difícil da gente produzir, né? Mas nós tivemos o apoio do Medeiros [dono de joalheria] que na época emprestou uma câmera e a gente só comprava os filmes dele”, recorda o cineasta.

De acordo com Guilherme Francisco, o Ecaja parou de produzir quando as filmagens ainda eram apenas em Super-8. As inovações proporcionadas pelo VHS em 1989, seguidas pela imagem digital, já mais atual, foram o apoio para que Guilherme formasse sua própria equipe.

“Hoje é mais fácil, porque com uma câmera e um microfone você faz qualquer trabalho. Eu continuo produzindo porque eu tenho minha própria filmadora, meu próprio equipamento. Eu comecei aos 14 anos e tenho quase 52 (...) e aí não parei de produzir, já fiz várias produções longa-metragem, curta-metragem e alguns documentários”, afirma.

Uma criação cinematográfica de grande porte ainda não existe no Acre. Quem se aventura nesse segmento tem recorrido aos editais da lei de incentivo à cultura, existente desde 1999. Guilherme Francisco aponta o tempo e a estrutura do ambiente das filmagens como aspectos desafiadores.


Guilherme Francisco durante as gravações do filme "Fogão de Lenha" 
A ousadia dos cerca de 40 jovens que deram início ao Ecaja, permanece impulsionando a cultura cinematográfica. “Mas o interesse era do próprio grupo de mostrar o cinema acreano, como aconteceram diversas produções que nós realizamos e aí hoje virou história. Existe uma história do cinema acreano”, completa Guilherme Francisco.

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